- ArtigosCreuza Almeida
- abril 9, 2021
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Implicações jurídicas do fenômeno sharenting
Sharenting ou oversharenting é uma expressão de origem inglesa. Deriva-se das palavras “share” do verbo “compartilhar” em inglês + “parenting” termo ligado à ideia da função de ser pai e mãe.
Existem 2 tipos de sharenting:
- comercial, que implica em ganhos financeiros, muito comum entre os influenciadores digitais;
- não-comercial, que se refere ao compartilhamento de dados de menores incapazes nas redes sociais sem a contrapartida econômica.
Assim, o sharenting não-comercial, significa o uso excessivo das mídias sociais pelos pais para compartilhar conteúdo com base em seus filhos, como fotos de bebês, crianças, adolescentes ou detalhes das atividades relacionadas a eles.
O constante crescimento do uso da Internet através das redes sociais, blogs e aplicativos, tem feito com que pais exponham seus filhos na web sem entender os riscos, ainda mais neste período de isolamento social devido a pandemia do Coronavírus, o qual impulsionou ainda mais este tipo de exposição.
A prática do sharenting no Brasil já é uma realidade. Pesquisas realizadas em alguns países, indicam que 75% dos pais que usam a Internet e compartilham fotos ou vídeos de seus filhos em suas redes sociais e 81% das crianças que possuem fotos próprias em ambientes virtuais tem até os 2 anos de idade.
A exposição de pessoas juridicamente incapazes pode gerar diversas consequências e implicações na vida de seus usuários e até mesmo na vida delas.
É possível identificar a prática do sharenting em contas criadas especialmente para compartilhar imagens de menores de idade ou incapazes. Lembrando que há crianças que já têm imagens expostas nas redes sociais antes mesmo de nascer.
Engana-se quem acredita que este comportamento, muitas vezes considerado “inocente”, não acarretará possíveis danos, já que é difícil se livrar completamente de imagens e informações deixadas na Internet e que poderão prejudicá-los no futuro.
O sharenting é um costume praticado no mundo todo!
O simples ato de publicar sobre menores na internet envolve perigos ocultos, que futuramente pode impactar de forma negativa a reputação dessas pessoas ao ter seus dados compartilhados nas redes sociais de terceiros, transformando sua vida privada em uma exposição a qual não lhe foi conferido o poder de dizer não.
O sharenting é uma possível violação aos direitos personalíssimos de menores incapazes e o problema surge quando se perde o controle do quanto, quando e o que se compartilha.
Após a ratificação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, a criança passou a ser vista como um ser que está em crescimento, que necessita de proteção para seu desenvolvimento físico, mental, moral, psicológico e social e com o criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90), a criança foi reconhecida como sujeito de direito no Brasil.
Direitos personalíssimos da criança
Os direitos personalíssimos estão ligados dignidade da pessoa humana, que tem previsão Constituição Federal, artigo 5º, inciso X e no capítulo II do Código Civil artigo 11.
O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe proteção integral à criança e ao adolescente inclusive, aos direitos personalíssimos como o da imagem, privacidade e intimidade, a fim de que sejam preservados, o direito à honra do menor de idade e o direito à intimidade.
O uso de dados de menores pode ter como consequência o roubo de sua identidade, uma vez que não utilizam de seus documentos pessoais diariamente, facilitando o uso de suas informações por terceiros, que podem utilizar estas dados por muitos anos até este fato ser identificado.
Direito da Criança à Privacidade
Uma pesquisa britânica publicada pela BBC inglesa, identificou que mais de 1 em 4 crianças se sentem envergonhadas, ansiosas ou preocupadas quando os pais publicam suas fotos, sofrendo uma pressão, que muitas vezes não conseguem verbalizar que estão sentindo.
Além disso, devemos lembrar do estresse a que essas crianças estão sendo submetidas ao serem foco constante de aprovação pública em rede social e o risco de não aprendam a discernir o público do privado.
As crianças e os adolescentes também têm direito à privacidade e que devem ser defendidos contra aqueles que os tenha violado, mesmo que os autores desta violação sejam os próprios pais.
A exposição excessiva de dados sobre menores incapazes pode corresponder a ameaça à sua privacidade, interesse este expressamente protegido pelo artigo 100, inciso V da Estatuto da Criança e do Adolescente.
Liberdade de expressão dos pais x direitos personalíssimos dos filhos
As crianças não possuem nenhum tipo de controle em relação às decisões de seus pais, no entanto, a falta de controle dos dados dos filhos por parte de seus titulares, nega o exercício do direito à proteção da privacidade, intimidade, vida privada, honra e imagem que crianças e adolescentes possuem.
Não existe em nosso ordenamento jurídico, uma solução taxativa para isso, no entanto, omelhor interesse da criança e do adolescente sempre será preservado, pois é a base dos direitos dos filhos e dos deveres dos pais, levando em consideração o princípio da prioridade absoluta, os quais são verdadeiros limitadores do direito à liberdade de expressão dos pais.
Sharenting x LGPD
A lei europeia de proteção de dados, GDPR (General Data Protection Regulation), considerou que os países europeus podem escolher a idade mínima para que menores decidam sobre conceder ou não seus dados pessoais.
Mas, como ainda não há clareza se o sharenting será ou não um problema para leis mais específicas como a GDPR e a para a LGPD aqui no Brasil, um indivíduo ou uma organização deve necessariamente obter o consentimento explícito do outro ou ter alguma outra base legítima para compartilhar seus dados pessoais.
Diante disso, os pais devem requerer o consentimento da criança antes de compartilhar suas informações online, visto que elas têm uma expectativa razoável de privacidade em relação a algumas das informações que os pais estão divulgando e que os registros públicos, exagerados e detalhados de crianças podem ser um empecilho à plena execução do seu direito ao esquecimento.
Sabemos que a solicitação de consentimento é confusa e dificilmente funcionará na prática, no entanto, vê-se necessário pensar em melhores soluções para questões que envolvem o sharenting.
Neste momento, vale utilizar da conscientização de pais e filhos sobre publicações exageradas na Internet e as possíveis implicações disso.
Os pais têm total liberdade para divulgar a história de seus filhos, mas, vale lembrar que, o compartilhamento inclui uma obrigação moral de agir com discrição apropriada e com total consideração pela segurança e bem-estar do menor incapaz.
Creuza Almeida Escritório de Advocacia em Recife/PE, é especializado no Direito da Família e das Sucessões, Direito Civil e Direito Digital.
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Creuza de Almeida Costa é titular no Creuza Almeida Escritório de Advocacia.
Formada em Direito em 2008 pela FIR – FACULDADE INTEGRADA DO RECIFE, pós graduada em Processo Penal, Direito Penal e Ciências Criminais.
Palestrante e Professora.
Vice-Presidente da ABRACRIM/PE – Associação Brasileira de Advogados Criminalistas.
Diretora Nacional de Relações Institucionais da ABCCRIM – Academia Brasileira de Ciências Criminais.
Presidente da comissão de processo penal constitucional da ABCCRIM
Coautora do livro Mulheres da Advocacia Criminal.
Premiada Mulher Evidência 2019.
Prêmio Destaque Nordeste.